Por que os ricos pagam menos impostos do que os pobres
Uma das âncoras de salvamento do segundo mandato da presidenta
Dilma Rousseff pode ser retomar aquilo que o ex-presidente Lula sabia
fazer como poucos, goste-se ou não do seu governo: conciliar interesses
aparentemente inconciliáveis. Em português mais claro, dar uma cravo,
outra na ferradura.
Se optou por um nome como Joaquim Levy para comandar o Ministério
da Fazenda, com a promessa de executar um duro ajuste fiscal e resgatar a
confiança dos “mercados”, Dilma também pretende manter direitos sociais
– ainda que uma das primeiras medidas anunciadas pela nova equipe
econômica, tenha sido justamente… a supressão de direitos sociais.
Se quiser ser levada a sério nessa estratégia de frentes múltiplas,
a presidenta deveria ouvir o que economistas e especialistas
tributários têm alertado – a histórica, perversa e complicada injustiça
do sistema de impostos do País.
É um sistema feito para poucos entenderem. Difícil na forma, mas
simples no resultado: na prática, os ricos pagam proporcionalmente menos
que os pobres. Uma engrenagem que, no fundo, a proposta de ajuste
fiscal sugerida pelo ministro Joaquim Levy apenas agrava. A saber:
1. No Brasil, os impostos diretos, como o IPI e o ICMS, representam
quase metade do total da carta tributária. Como se sabe, esses impostos
incidem sobre os gastos da população na aquisição de bens e serviços,
independentemente do nível de renda de quem os adquire. Pobres, ricos ou
classe média pagam rigorosamente a mesma alíquota para pagar o fogão e a
geladeira. Mas o Leão devora a fração maior das rendas menores.
Democraticamente.
2. Enquanto isso, os chamados encargos sociais representam cerca de
25% da carga total. O ônus aí se distribui entre empregados e
empregadores.
3. Já o Imposto de Renda contribui com modestos 20% – ou um pouco
menos – para a formação da carga tributária total. E de maneira
inversamente democrática. Há estimativas que sugerem o seguinte:
enquanto os que ganham até dois salários mínimos recolhem ao Tesouro
quase 54% da renda, aqueles que recebem acima de 30 salários mínimos
contribuem com menos de 29%.
Os números acima não são novos. Fazem parte de um estudo da professora Lena Lavinas, da USP, chamado A long way from Tax Justice: The Brazilian case. Como o próprio título informa, trata-se de uma análise sobre o caso brasileiro de justiça tributária. Ou injustiça.
Hipertributação da renda, subtributação do patrimônio
Enquanto isso os impostos sobre o patrimônio são desprezíveis,
empenhados em beneficiar a riqueza imobiliária e financeira dos mais
ricos. (Neste caso, não raro se justifica a ausência de taxação para não
“inibir” os investimentos.).
O site Carta Maior fez
um brilhante especial sobre impostos no País. “Em tese, a política
fiscal seria o espaço da solidariedade no capitalismo”, escreveu o
advogado Joaquim Palhares, diretor do site, na apresentação do especial.
“Caberia a ela transferir recursos dos mais ricos para os fundos
públicos, destinados a contemplar os mais pobres e o bem comum”.
Palhares é um homem rico. Mas inteligente e socialmente responsável
o suficiente para entender que não se constrói um país desenvolvido sem
laços e valores compartilhados em direitos e deveres comuns – e o
tamanho da carga tributária e sua divisão desigual (isto mesmo,
desigual) entre ricos e pobres são fundamentais para uma desconcentrar
uma economia e uma sociedade.
O sistema brasileiro é o inverso disso. Não importa a renda do
consumidor: ganhe um ou 100 salários mínimos por mês, o imposto que paga
por litro de leite ou por uma geladeira o mesmo.
Em contrapartida, o imposto sobre o patrimônio, que incide
diretamente sobre os endinheirados, não chega a 3,5% da arrecadação
total no Brasil. Na Coreia do Sul, esse índice é de 11%. Nos EUA, acima
de 12%.
O detalhe perverso dessa engrenagem é que aqueles que estão no topo
da pirâmide social obtêm seus rendimentos sobretudo do capital.
Pegue-se, por exemplo, os rendimentos vindos daí em alguns países:
França, 38,5%; Canadá, 31%. Alemanha, 26,40%; EUA, 21,20%; Turquia,
17,50%.
E no Brasil? 0,00%.
Como afirma o economista francês Thomas Piketty, tornado celebridade desde a publicação do seu tratado sobre desigualdade, O capital no século 21,
se o capital financeiro rende mais que o crescimento da economia – como
tem sido sistematicamente o caso do Brasil – consolida-se uma casta de
riqueza inoxidável que se desloca da sociedade e perpetua a
desigualdade.
Endividamento público e juros altos
Sem espaço para taxar endinheirados e seu patrimônio, governos
passaram a compensar com uma alternativa: o endividamento público.
Emprestam e pagam juros por aquilo que deveriam arrecadar. E aí vêm os
juros altos – mais conta paga também pelo consumidor.
Coisa que o economista Luiz Gonzaga Belluzzo provoca, com ironia:
“É pelo menos curioso que os idealizadores do ‘impostômetro’ não tenham
pensado na criação do ‘jurômetro’. Afinal, diz ele, o Brasil atirou no
colo dos detentores de riqueza financeira, nos últimos 18 anos, um PIB
anual, mais um quarto.
E nem Fernando Henrique, nem Lula, muito menos Dilma Rousseff ousaram mexer nesse vespeiro.
IG
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