‘Os pais conversam menos com os filhos do que a publicidade’, alerta educadora

Em plena semana da Criança –
quando o comércio deve registrar nova alta nas vendas de brinquedos e
outros produtos infantis – especialistas do Instituto Alana e da Aliança
pela Infância
reuniram-se ontem (9) em São Paulo para discutir os prejuízos trazidos
pela publicidade dirigida às crianças e a importância do resgate do
brincar como estratégia de enfrentamento.
“Os pais conversam menos com os
filhos do que a publicidade. Estudos mostram que a criança brasileira é
a que mais assiste TV entre as de todos os países. Diante da TV a
criança é estimulada a comprar o tempo todo”, alertou a pedagoga Roberta
Capezzuto, integrante do Núcleo de Educação do Instituto Alana,
organização que defende o desenvolvimento saudável da criança em todos os aspectos. “E é muito fácil vender para crianças porque elas acreditam em tudo o que se diz.”
Segundo ela, a situação é preocupante.
Pesquisas mostram que 30 segundos de exposição a uma propaganda é
suficiente para que a criança seja influenciada por uma marca. Isso é
muito preocupante porque estimula um consumismo prejudicial à infância e
seus familiares.
“Há prejuízos para o
desenvolvimento físico e cognitivo das crianças uma vez que elas deixam
de brincar para ficar na frente da TV por horas seguidas.” O resultado
imediato da combinação sedentarismo e consumo de alimentos anunciados –
80% deles são calóricos, conforme pesquisas – é a obesidade na infância.
Dados do Ministério da Saúde mostram que 33% das crianças brasileiras estão com sobrepeso.
“Outro problema é a erotização
precoce. Não é à toa que a primeira relação sexual aos 15 anos vem
aumentando em todo o Brasil”, disse Roberta. Isso tudo sem contar o
estresse familiar causado por chantagens dos filhos que, seduzidos pela
publicidade, pressionam os pais para comprar
os produtos anunciados durante a programação infantil, com linguagem
acessiva e com apelos visuais. E o danos psicológicos são trazidos por
comerciais que exibem a falsa ideia de famílias sempre perfeitas, quando
na realidade todas as famílias enfrentam problemas em vários
momentos. “Será justo culpar os pais pelo consumismo excessivo quando há
uma indústria milionária por trás dessa pressão que vitimiza a
criança?”, questionou.
“Existem iniciativas para restringir a
publicidade destinada ao público infantil. Mas todas sofrem ataques dos
meios de comunicação, que argumentam que essas propostas ferem a
liberdade de expressão”, disse o jornalista Alex Criado, da coordenação
da Aliança pela Infância. “Essa defesa da liberdade de expressão, no
entanto, esconde interesses escusos.”
Entre eles está o Projeto de Lei
193/2008, do deputado Rui Falcão (PT), que está pronto para ir ao
plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo. A proposta regulamenta a
publicidade, no rádio e TV, de alimentos dirigida ao público infantil. O
PL proíbe no estado a publicidade dirigida a crianças de alimentos e
bebidas pobres em nutrientes e com alto teor de açúcar, gorduras
saturadas ou sódio entre as 6h e 21h. A proibição vale também para
divulgação desses produtos em escolas públicas e privadas. A proposta
veta ainda a participação de celebridades ou personagens infantis na
comercialização e a inclusão de brindes promocionais, brinquedos ou
itens colecionáveis associados à compra do produto. Já a publicidade
durante o horário permitido deverá vir seguida de advertência pública
sobre os males causados pela obesidade.
O projeto está de acordo com o que prevê
o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe
qualquer publicidade enganosa ou abusiva que se aproveite da deficiência
de julgamento e experiência das crianças. Em 2010, o Instituto Alana
denunciou ao Procon a rede Mc Donald’s por vincular brinquedos às
promoções de seus produtos. Conforme a denúncia, a associação de
brinquedos com alimentos incentiva a formação de valores distorcidos,
bem como a formação de hábitos alimentares prejudiciais à saúde.
Além de criação de leis para proteger as
crianças dos efeitos nocivos da publicidade, Roberta defende a ação
conjunta de famílias, escolas, movimentos sociais, ONGs, empresariado e o
estado. Em sua apresentação, ela mostrou o filme Criança, a alma do négócio,
que mostra depoimentos de crianças, pais, professores e especialistas
sobre consumismo e a vulnerabilidade das crianças à propaganda.
Produzido em 2008, o filme continua atual.
“Leis que defendem as crianças dos
efeitos nocivos da publicidade existem, como a Constituição Federal, o
Estatuto da Criança e do Adolescente e o próprio Código de Defesa do
Consumidor. Basta que sejam cumpridos”, disse Roberta.
Em 28 países há restrição à publicidade voltada para crianças. Suécia e Noruega baniram a publicidade.
Brincadeiras de verdade
“O encurtamento da infância – as
crianças estão deixando de brincar mais cedo e essa precocidade a
transforma em consumidores – é uma questão que merece muita reflexão”,
disse a educadora Adriana Friedmann, coordenadora da Aliança pela
Infância. A entidade mantém 20 núcleos espalhados pelo país para
pesquisar e disseminar a importância do brincar.
Segundo ela, consumo não combina com
infância. “Quando uma criança pede um brinquedo, é porque está
angustiada. É como se ela dissesse: olha pra mim. Elas não sabem, mas
estão dizendo isso.”
Para Adriana, estão faltando coisas
simples e essenciais nos relacionamentos familiares, como o preparo de
uma comida com afeto, mais tempo para o diálogo e brincadeiras.
“Precisamos organizar nosso tempo, pegar a criança no colo, contar uma
história, cantar uma música – isso é brincar também. Hoje em dia, o
maior presente que podemos dar a uma criança é estar com ela por
inteiro.”
Adriana lembrou que o brincar mais
livre, sem brinquedos estruturados, com a criatividade do faz-de-conta
era comum até os anos 1950, 1960. De lá para cá os brinquedos foram
sendo introduzidos e hoje as crianças – e adultos – são cada vez mais
dependentes de aparatos tecnológicos, os brinquedos atuais. “A nossa
sociedade está doente, hipnotizada pela tecnologia. As pessoas estão o
tempo todo desconectadas da realidade, da pessoa ao lado, daquilo que é
essencial nas relações sadias, e fixadas em aparelhos como o celular.
Compramos para nós e para nossos filhos”, lamentou.
Segundo Adriana, são muitas as questões
para as quais não existem respostas prontas. “Precisamos olhar para
dentro de nós mesmos, voltar à nossa infância, negociar com as crianças e
dar a elas alternativas que ainda não conhecem, ensinar brincadeiras
antigas e brincar mais com elas.”
redebrasilatual
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