Jornalista ver empresa Telexfre como um dos maiores golpes da atualidade
Nos
próximos dias, provavelmente, o esquema de pirâmide da TelexFree será
desbaratado e seus mentores detidos. É possível que seus bens (visíveis)
sejam bloqueados. Mas terá sido em vão para mais de um milhão de
pessoas que caíram no mais abrangente golpe financeiro da história do
país. Apenas em 2012, o esquema movimentou R$ 300 milhões.
Durante semanas o Ministério Público
ficou discutindo se o tema era da alçada federal ou estadual. A Polícia
imersa em indagações se era crime contra a economia popular, portanto
afeita à Polícia Civil, ou crime mais abrangente, de responsabilidade da
Polícia Federal.
Enquanto pipocavam notícias de todo o
país, de famílias vendendo até casa própria para aplicar no golpe, o
Banco Central indagava-se se deveria entrar na parada, já que a
TelexFree mexe com poupança popular mas não é uma instituição
financeira. E a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) dizia que, só após
provocada, faria alguma manifestação. Desde janeiro a Secretaria
Nacional de Direito do Consumidor está perdida, analisando um produto
que é auto-definível: basta analisar o modelo de vendas para saber se é
golpe.
Na era da Internet, há necessidade de se
montar procedimentos rápidos para evitar a explosão dos prejuízos
populares. Para tal, é importante entender como foi montado o golpe
Os golpes clássicos com pirâmide
Os golpes com pirâmides são antigos e obedecem, quase sempre, à mesma lógica.
1. Escolhe-se um produto qualquer . E
monta-se uma primeira lista de supostos vendedores com 10 nomes. Como o
trapaceiro está iniciando o processo, provavelmente os 9 primeiros nomes
da lista são clientes fantasmas, criados por ele.
2. As dez pessoas que receberam a lista,
pagam o bônus para o primeiro da lista. Depois, montam uma nova lista,
na qual o primeiro nome é excluído e a pessoa coloca o seu próprio nome
no 10o lugar.
3. A nova lista é vendida para novas dez
pessoas que pagam o primeiro da lista e montam novas listas, incluindo
seu nome no 10o lugar. E o nome de quem vendeu para elas no 9o lugar.
4. Portanto, a primeira pessoa a quem a lista foi vendida terá que esperar nove rodadas, antes de começar a receber o retorno.
5. Quando chega sua vez, os primeiros
compradores conseguem ganhar bom dinheiro, à custa dos que entraram
depois. Cria-se a fantasia de que todos ficarão ricos. Ocorre que o
crescimento da pirâmide é insustentável. Chegará uma hora em que não
haverá mais incautos para adquirir a pirâmide e ela quebrará, deixando
grande parte dos usuários no prejuízo bravo. Estudos estatísticos
estimam que, em cada pirâmide, 88% dos participantes perderão dinheiro.
Confira na tabela.

Uma corrente na qual o membro do grupo
precise vender para 10 pessoas, na 5a rodada exigirá 100 mil pessoas
para não quebrar. Na 7a rodada, 10 milhões de pessoas. Na 10a rodada, 10
bilhões de pessoas.
Os golpes da pirâmide, ou corrente da
felicidade, são antigos no Brasil. No caso de golpes, o produto ofertado
pouco importava. A receita da corrente consistia no pagamento efetuado
pelos novos aderentes aos que entraram primeiro.
Nos anos 60, houve uma corrente famosa
com LPs de Johnny Mathis. E outra com sapatos Samello. Em 2006, a
Irlanda foi vítima do golpe da pirâmide.
O esquema Ponzi
O
mais famoso golpe da pirâmide do século passado foi o “esquema Ponzi”,
criado pelo criminoso norte-americano Charles Ponzi. Imigrante italiano,
Ponzi chegou aos Estados Unidos em 1910. Descobriu que selos de carta
de outros países poderiam ser utilizados nos Estados Unidos – e eram
mais baratos. Montou uma pirâmide, então, para vender selos estrangeiros
nos Estados Unidos.
Em fevereiro de 1920, o esquema tinha
lhe rendido US$ 5 mil; em março, US$ 30 mil; em maio US$ 420 mil; em
julho US$ 1 milhão. Foi uma febre que se espalhou por todos os Estados
Unidos, levando famílias a venderem suas casas para entrar no jogo.
A corrente quebrou, Ponzi foi detido,
pagou fiança e fugiu para o Rio de Janeiro, onde terminou seus dias como
representante de linhas aéreas. Morreu em 1949, em um hotel para
indigentes no Rio.
O esquema Madoff
O
esquema Bernard Madoff foi mais sofisticado, pegando apenas
milionários. Sua empresa oferecia oportunidade de investimentos que
rendiam 1% ao mês – alto para os padrões internacionais, não tão alto
que pudesse despertar suspeitas de golpe. Os fundos de Madoff não
pagavam rendimentos todo mês. Os investidores acoampanhavam o saldo
através de extratos. Só obteriam o saldo completo se resgatassem o
dinheiro e saíssem do fundo.
Com os recursos que ia recebendo de novos clientes, Madoff ia pagando clientes que saíam da corrente.
Esses recursos eram administrados por um
fundo não ligado diretamente ao banco de Madoff, para ficar ao largo da
fiscalização das autoridades.
Estourou em 2009, levando prejuízo a
muitos investidores, inclusive a brasileiros. No Brasil, seu fundo eram
vendido pelo Banco Safra e pelo Santander.
O esquema Boi Gordo
O
último grande golpe de pirâmide no Brasil foi o das Fazendas Reunidas
Boi Gordo. Foi montada por Paulo Roberto de Andrade, de Santa Cruz do
Rio Pardo.
Historicamente, a engorda de bois rende
10% em 18 meses. A Boi Gordo oferecia aos investidores a possibilidade
de ganhos de 38% ao ano.
Era o velho esquema da pirâmide, na qual
o dinheiro dos que entravam bancava os investimentos dos primeiros que
entraram no jogo.
A diferença da TelexFree é que, no caso
da Boi Gordo, havia alguns ativos – fazendas e rebanhos – de garantia,
embora insignificantes perto do rombo que deixou no mercado. O prejuízo
atingiu 30 mil clientes. Até abril de 2004, chegava a R$ 2,5 bilhões
O esquema TelexFree
O
golpe da TelexFree só no ano passado pode ter movimentado R$ 300
milhões. Se a Polícia Federal não atuar rapidamente, o golpe poderá ser
de US$ 1 bilhão.
Esse golpe foi montado inicialmente no
Brasil, com características próprias da era da Internet. Depois,
conseguiu-se um parceiro norte-americano. O cabeça da operação foi o
empresário capixaba Carlos Wanzeler.
O golpe se valeu de um modelo de marketing denominado de “multinível” – que é legítimo e adotado por empresas respeitáveis.
Trata-se de um modelo de vendas
porta-a-porta, na qual há espaço para dois tipos de vendedores: o
vendedor comum, que recebe um percentual sobre o que vende; e o chefe de
equipe, o vendedor que logrou montar uma equipe trabalhando por ele,
que recebe pelo que vende e pelo que vendem seus seguidores.
O que diferencia uma empresa séria da
golpista é a receita auferida com a venda final do produto. Quando a
remuneração de todos é função direta da venda de produtos, o modelo é
auto-sustentável. Quando a forma de remuneração é o pagamento de quem
entra, e a manutenção da rede depende do crescimento exponencial dos
participantes, é golpe.
No caso da TelexFree, o golpe – óbvio, evidente – fundou-se em duas características da Internet.
A primeira, a de oferecer um produto que
não existe fisicamente: a possibilidade de fazer ligações de VOIP
(telefone através da Internet) pela empresa TelexFree.
A corrente consiste em colocar anúncios
na Internet vendendo os serviços da TelexFree. Cada anúncio acarretaria
um ganho de US$ 20,00 para o vendedor.
De cara, há dois furos evidentes. O fato
de que anúncios em Internet custam muito menos do que US$ 20,00 e o
total descasamento entre o faturamento da empresa de VOIP e o volume de
vendas de anúncios.
Teoricamente, o faturamento das novas
assinaturas de VOIP deveria bancar o lucro dos vendedores. Hoje em dia, o
VOIP é oferecido por gigantes, como o Skype (da Microsoft), Google e
Facebook. Uma conta Premium do Skype não sai por mais que US$ 5 dólares
mês. Já a assinatura da TelexFree é de US$ 50. Ou seja, a empresa tem um
produto que jamais competirá no mercado.
No entanto, a quadrilha valeu-se da
segunda característica da Internet – a rápida propagação de informações
-, para montar esquemas em várias partes do mundo. Acabou tornando-se
uma franquia para trapaceiros de várias nacionalidades, a maior parte
dos quais do Brasil.
Como o norte-americano James Merril entrou na história
O modelo da pirâmide TelexFree foi
inteiramente desenvolvido por Wanzeler, através do site Disk à Vontade,
já vendendo as ligações VOIP em 2009.
A dificuldade maior dos golpistas era passar credibilidade em relação ao negócio.
Quando percebeu a potencialidade do
golpe, Wanzeler resolveu sofisticar. Localizou uma empresa
norte-americana especializada em VOIP, a Commons Cents Communications,
aproximou-se do dono James Merril, e entrou como sócio da companhia.
No site da empresa (www.telexfree.com)
informa-se que ele entendeu a potencialidade do negócio quando conheceu
brasileiros. No Brasil, Merril passou a ser apresentado como o gênio do
marketing multinível e da VOIP.

O blog “Meu Dinheiro em Casa” fez um belo levantamento sobre o registro da empresa nos Estados Unidos.
Descobriu que, no registro da TelexFree
nos Estados Unidos, pela Secretary Commonwealth Corporations Division
(SEC), 1) a empresa se chamava Commons Cents Communications e foi
alterada para Telexfree em 15/02/2012. 2) A empresa original não era de
marketing multinivel (a especialização das empresas de marketing que
trabalham com sistemas semelhantes, mas em cima de produtos reais). 3)
No registro, Merril aparece como presidente. Mas o golpista brasileiro,
Wanzeler, dono da Disk à Vontade e da Ympactus, é tesoureiro e diretor.
As conclusões do blog foram taxativas:
- A Telexfree jamais existiu como marketing multinível nos Estados Unidos
- O contrato é claramente celebrado entre o divulgador e a Ympactus Comercial LTDA e não com a Telexfree INC.
- Se a Ympactus pertence a Carlos Wanzeler e ele é um dos proprietários da Telexfree INC e da Disk a Vontade, ele é o principal mentor do negócio.
- Disk a Vontade, Ympactus e Telexfree são a mesma coisa, apesar de não o ser juridicamente.
No entanto, a parceria com o norte-americano acabou fornecendo a capa de credibilidade de que o esquema necessitava no Brasil.
No site, a TelexFree é apresentada como uma multinacional norte-americana.

Tempos depois, a Gazetaonline
descobriu que o prédio americano era um local de escritórios virtuais,
no qual o TelexFree tinha apenas um endereço. Esses escritórios alugam
endereços para empresas e locam salas para reuniões esporádicas.
Os esquemas de vendas
Todas as pirâmides tradicionais das
últimas décadas – venda de ouro, Boi Gordo, Avestruz Master – contaram
com a mesma estrutura de vendedores, em geral pequenos picaretas de
mercado, dispostos a vender qualquer coisa.
Nos últimos anos, a Internet abriu
espaço para aventureiros mais atrevidos, em geral ligados a esquemas de
bingos ou de olho em novos negócios obscuros que aparecem de quando em
quando.
Em cima da suposta parceria com uma
“multinacional, a empresa montou seu esquema de divulgação na Internet,
com vídeos, por si só, demonstrativos da baixa qualidade dos golpistas.
Para iludir os incautos, a empresa
colocou na Internet alguns documentos banais, passando a impressão de
ser uma atividade legalizada, como uma Certidão Negativa de débitos
contra a União da empresa Ympactus, titular do golpe no país.
Em seguida, graças à Internet, foram se
acoplando ao golpe diversos grupos espalhados pelo Brasil inteiro,
constituindo, provavelmente, a mais extensa rede de golpistas que o
mundo já viu. Picaretas de toda sorte, junto com incautos, abriram sites
na Internet, usando o nome TelexFree na URL, entrando nos mais
distantes rincões do país, espalhando vídeos e sites pela Internet.
Surgiram www.suportetelexfree.com.br, www.brasiltelexfree.com.br e outras.
A guerrilha na Internet
Para impedir as denúncias pelo Google, a quadrilha recorre a dois tipos de ação.
A primeira foi bombardear os blogs que
denunciavam o esquema através de ataques DoS. Os ataques tomavam como
base os links no Google. Os dois primeiros links, aliás, eram do meu
Blog e do Acerto de Contas, do Pierre Lucena, denunciando o golpe – no
meu caso, republicando o artigo do Lucena.
A segunda ação consistiu em inundar o
Google e o Youtube com conteúdos utilizando a palavra “denúncia”, mas
levando a vídeos enaltecendo o trabalho da quadrilha.
Graças ao esquema de franquia, diversas
subquadrilhas entraram no jogo, misturadas a incautos, dificultando a
identificação e o mapeamento dos diversos elos. Com tantos
empreendedores associados, a Internet ficou abarrotada de publicidade do
grupo.

O trabalho do governo
Informações dos leitores do Blog indicam
que o esquema entrou nas mais distantes cidades no país, chegou a
Portugal e começa a entrar na Inglaterra.
Há vários elos da quadrilha em todo lugar. Ao mesmo tempo, muitos incautos misturados ao grupo.
O trabalho da Polícia Federal deverá ser
mapear os elos da corrente, identificar os cúmplices, separar os
incautos e acionar a Polinter, já que o golpe envolve vários países em
um sistema em que o dinheiro pode ser transferido para paraísos fiscais
em dois tempos.
Mas é evidente a lentidão dos órgãos de
controle. Desde janeiro a Secretaria Nacional de Direito do Consumidor
está analisando o golpe. Ora, bastaria uma mera análise do modelo de
venda para constatar o golpe. O passo seguinte seria interromper
imediatamente a corrente. Só então, partir para as investigações e para a
responabilização penal dos transgressores.
Mas enquanto a malandragem voa pela Internet, o aparelho regulador anda de máquina de escrever.
Com blog do Luis Nassi




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