Visão brasileira em exposição da Síria

Este é o cenário relatado pelo fotógrafo brasileiro Gabriel Chaim, de 31 anos, que está em Aleppo há cinco dias. Ele deixou a mulher e a filha de apenas 4 anos em São Paulo para registrar de perto a situação no país. Entrou pela fronteira da Turquia, com a ajuda de uma organização social que distribui cestas básicas para a população e dá aulas para as crianças, já que as escolas não funcionam mais. Parte da cidade é controlada pelo governo de Bashar al-Assad e outra parte por rebeldes que querem derrubar o ditador sírio. Separadas por barricadas, as áreas não têm comunicação entre si – “só comunicação à base de bomba”, diz Chaim –, e quem mora no bairro controlado por um lado não tem contato com parentes que estão em áreas controladas pelo outro.
São basicamente pessoas pobres, que não têm dinheiro para migrar e permanecem em uma cidade lotada de escombros onde faltam água, comida e remédios. O que há custa 700% mais caro que o normal. O fotógrafo está em um bairro controlado pela oposição. Sua base é uma casa semidestruída por bombas, onde dorme junto com os demais integrantes da ONG em colchões jogados no chão. Não há lugar para tomar banho, e até agora ele só pôde se lavar uma vez, em outro lugar. A alimentação diária, compartilhada entre cerca de 20 pessoas, é de feijão enlatado, pão e homus, um prato típico da culinária árabe.
Transporte de ambulância Chaim se locomove pela cidade dentro de uma ambulância, em uma estratégia para não ser percebido, e sua segurança é feita por homens do Free Syrian Army (FSA, ou Exército Livre Sírio, em português), um dos grupos de oposição. Ele é sempre acompanhado por três seguranças. As linhas de telefone estão cortadas, e a internet é contrabandeada da Turquia.
Os rebeldes – a maioria homens jovens, apesar de também haver mulheres e pessoas de meia idade – estão por toda parte, fortemente armados, misturados a moradores que caminham com filhos pequenos, tentando manter a rotina. “Só as pessoas pobres ficaram. Antes elas tinham uma vida simples, mas não passavam necessidade. Agora, sem poder trabalhar, elas não têm dinheiro nem para comer. Estão passando fome”, conta Chaim, acrescentando que as ONGs que se mantêm na cidade não dão conta de atender às necessidades da população.
Ele fez um relato em vídeo neste sábado (7) do que vive em Aleppo (veja ao lado). Até a água potável virou luxo. De acordo com o fotógrafo, um caminhão-pipa de 700 litros que cobrava 50 centavos de dólar hoje cobra entre US$ 15 e US$ 20. Segundo Chaim, há muitos engarrafamentos, em razão das ruas e passagens estarem bloqueadas após bombardeios. Os carros precisam passar rápido por áreas descampadas, onde costuma haver atiradores. À noite, os motoristas apagam os faróis para não virarem alvo de bombardeios, que se intensificam no período.
Ele diz que até agora não encontrou nenhum estrangeiro na cidade. Quase todos os jornalistas foram embora, segundo ele, pois ocorre agora o momento mais grave da guerra, com muitos sequestros e a segurança deteriorada. Chaim conta que os bombeiros, voluntários, trabalham com equipamentos obsoletos e têm de lidar com um alto número de ocorrências, com incontáveis mortos. Os hospitais também são improvisados, e as pessoas morrem por falta de remédios e equipamentos básicos.
Em uma visita a um deles neste sábado, o brasileiro diz que viveu “um dos dias mais impressionantes” de sua vida. Ele viu de longe um avião do regime do Assad atacar um carro com metralhadora. Em dez minutos, chegaram os atingidos, que eram rebeldes do FSA. “Pude registrar a chegada, o desespero do médico para tentar salvar a vida das vítimas mesmo sem recursos e acompanhei também a morte de todos. Quando o último morreu, a enfermeira me chamou, pois queria me mostrar uma coisa: era um bebê que acabava de nascer”, relata.
No palácio da Al-Qaeda Segundo Chaim, a presença de militantes ligados à rede terrorista da Al-Qaeda em Aleppo é constante. Eles apoiam outros grupos opositores, na luta contra as forças de Assad. O brasileiro diz que a maioria deles anda em BMWs e outros carros caros, geralmente pretos. “Eles geralmente têm barba grande, usam uma bandana na testa com escritos em árabe e têm marcas na testa por se abaixarem cinco vezes ao dia para orar, como pede o Islamismo”, diz
Chaim chegou a ir a uma cidade próxima para tentar entrevistar algum líder da organização extremista. Não conseguiu, mas pôde ver a movimentação na base onde eles ficam. “Fiquei assustado, porque é um palácio gigante, de cinco andares. Tinha muitas barricadas na frente e muita gente circulando armada”, relata. Ele já esteve em um dos fronts de batalha espalhados por toda Aleppo, e deve passar mais 24 horas em outro. Passaporte por US$ 3,5 mil
Boa parte da população fugiu da Síria e engrossa os números de refugiados da crise: mais de 2 milhões, espalhados por Líbano, Turquia e Jordânia, entre outros países, segundo a ONU. Entre os refugiados, há muitos profissionais qualificados, como engenheiros e farmacêutico.
Armas químicas No dia a dia, Gabriel Chaim trabalha com fotos de gastronomia, uma realidade bem diferente da que ele documenta neste momento. Ele quer ficar na Síria por aproximadamente mais dez dias. O brasileiro diz que planeja registrar o início dos possíveis ataques americanos ao país. De acordo com Chaim, a maioria das pessoas em Aleppo acredita que o regime de Assad seja mesmo o responsável pelo ataque com armas químicas que matou mais de mil pessoas em Damasco, apesar de o governo o atribuir aos rebeldes. Muitos na cidade dizem temer que, na hora que os EUA lançarem o primeiro míssil, Assad vá lançar uma grande ofensiva de armas químicas em todo o país.
G1
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