Um ano após morte, Chávez ainda sustenta apoio a governo venezuelano
Sem a força unificadora de líder bolivariano, presidente Maduro se viu obrigado a fazer concessões a empresariado e militares.
Há um ano, numa tarde de terça-feira, a Venezuela
parou. Alguns comemoraram em silêncio e muitos choraram - e continuam
chorando até hoje - a morte do presidente Hugo Chávez, de câncer.
O luto e a paralisia gerados pela morte do líder da "revolução
bolivariana" colocaram à prova o chavismo no ano mais difícil de sua
história e dificultaram a transição do poder para seu herdeiro político,
Nicolás Maduro.
Eleito em abril num pleito apertado - e contestado pelo líder
opositor Henrique Capriles -, Maduro assumiu um governo adequado ao
estilo de Chávez, uma das razões pelas quais se tornou difícil
administrá-lo.
Sem contar com o carisma que auxiliava o líder bolivariano a driblar
conjunturas adversas, Maduro assumiu as rédeas de um país com uma
economia em crise.
Filas intermináveis para comprar produtos escassos da cesta básica,
uma inflação anual acumulada em 56% e altos índices de criminalidade
aumentaram o descontentamento da população e colocaram à prova a
capacidade de Maduro de levar adiante o projeto chavista, sem rupturas.
Chavez onipresente
A imagem onipresente e onipotente de Chávez se fortaleceu ainda mais
após sua morte e passou a servir de pilar fundamental de sustentação do
governo. Qualquer ação do Executivo é feita "em nome do comandante".
Outdoors, murais, exposições fotográficas, tudo leva o nome do
ex-presidente. "Não foi um ano com Maduro, continuou sendo um ano com
Chávez. Maduro conta com apoio popular adquirido por sua condição de
herdeiro político", afirmou à BBC Brasil Oscar Schemel, diretor da
consultoria Hinterlaces.
Evocar Chávez e a unidade em torno de seu legado é uma tática
utilizada por Maduro - de acordo com analistas - para evitar acirrar
disputas internas entre as diferentes correntes do chavismo. Maduro
continua sendo visto como o "administrador" da revolução idealizada por
Chávez.
Sua popularidade, que chegou a alcançar 61% em dezembro, caiu
drasticamente no último mês, para 46%, devido ao aumento da escassez de
produtos básicos e uma "magnificação dos problemas econômicos", diz
Oscar Schemel.
Os problemas econômicos acabaram se tornando a principal bandeira de
estudantes e outros venezuelanos que simpatizam com a oposição
antichavista e que tomaram as ruas para exigir a renúncia do presidente.
Polarização e pactos
A tensão gerada pelos protestos reacendeu a polarização política no
país e levou o presidente venezuelano a pactuar, em rede nacional de
rádio e TV, com a elite empresarial venezuelana, incluindo o magnata
Lorenzo Mendoza - que chegou a ser ameaçado várias vezes por Chávez de
ter suas empresas estatizadas caso não cumprisse com as regras
estabelecidas pelo governo.
Para "ajudar" a controlar a escassez, os empresários exigem o fim dos
controles de preços e uma revisão da lei que estabelece em 30% o limite
de lucro sobre o valor dos produtos.
Para muitos chavistas, preocupados com o fortalecimento do
pragmatismo do governo de Maduro em detrimento do projeto bolivariano, a
oposição não se arriscaria a apostar em protestos violentos se Chávez
estivesse no poder.
"Eles acham que Maduro é fraco. Com Chávez viam sempre a
possibilidade de uma reação estratégica por ele ser militar", afirma o
motorista Armando Robles, de 72 anos, que vive a poucos metros do
Quartel da Montanha no bairro de 23 de Enero, bastião chavista - onde
fica o caixão de mármore que envolve o corpo de Chávez.
O analista político Miguel Tinker Salas, professor de História
Latino-Americana da Pomona College, da Califórnia, considera que Maduro
não tem outra alternativa senão promover um diálogo nacional. "O país
está dividido e tentar impor um modelo econômico, social e político
dentro deste ambiente implica certos riscos", afirma. "O governo está
tentando se consolidar dentro do cenário político adverso, mas não se
pode falar ainda de uma moderação no chavismo."
Sem a força de Chávez, capaz de unificar políticos, movimentos
sociais e as Forças Armadas ao redor da "revolução bolivariana", Maduro
cedeu aos grupos mais conservadores do chavismo para manter a
estabilidade.
Os principais beneficiados foram os militares, premiados com o
controle de importantes ministérios, aumento salarial e aval para
ampliar sua participação no setor de importação de produtos. Também
estão à frente da direção de um banco e de um canal de televisão
exclusivo para as Forças Armadas.
"A crise econômica e, em consequência os conflitos sociais, eram
previsíveis e Maduro identificou que eram as Forças Armadas que lhe
dariam respaldo", afirmou à BBC Brasil David Smilde, da ONG Washington
Office on Latin America (WOLA), em Caracas. "É um governo com maior
presença militar que durante o período Chávez."
Desafios econômicos
O principal desafio de Maduro, segundo especialistas, é reestruturar a
economia e fazer com que o país, quinto maior produtor mundial de
petróleo, volte a crescer.
O prognóstico do analista político Luis Vicente León, diretor da
consultoria Datanalisis, é pessimista. A seu ver é pouco provável que
Maduro promova mudanças de fundo na política econômica porque isso
incluiria decisões "impopulares".
Uma nova desvalorização da moeda, endividamento e negociação de
preços com o setor privado são medidas que, na opinião de León, "têm um
custo político e econômico que (Maduro) não tem patrimônio político para
pagar".
Outro elemento fundamental, na opinião de Oscar Schemel, é acabar com a
escassez. Segundo a consultoria Hinterlaces, os venezuelanos se
preocupam mais com o desabastecimento do que com a inflação. A lógica é
simples: os cidadãos têm dinheiro para comprar, ainda que o produto
esteja caro; o problema é ter acesso aos produtos.
"Resolver o desabastecimento é vital para diminuir a percepção de
instabilidade", afirmou Schemel. "Os setores que estão descontentes
nunca haviam contado com tantos recursos, há uma demanda crescente de
consumo, mas é necessário perder horas nas filas para conseguir comprar o
que se necessita", afirmou.
O desabastecimento é gerado, segundo analistas, por quatro fatores
fundamentais: desvio de recursos que deveriam ser usados para a
importação de alimentos, excessivos controles estatais que impedem a
liberação de dólares para compras internacionais, contrabando para a
vizinha Colômbia, estimado em 40% do total das importações, e a
estocagem praticada por alguns empresários como medida de pressão para
acabar com o controle de preços.
Segundo pesquisa da Hinterlaces, a maioria dos venezuelanos não
deseja uma mudança de projeto de governo e sim que as políticas públicas
sejam eficazes.
Culto à imagem
O motorista Armando Robles reconhece que o governo precisa "corrigir
muitas coisas, mas dentro do caminho da revolução". Na porta de sua
casa, pintada de vermelho, a cor do chavismo, uma fotografia de Símon
Bolívar e outra de Hugo Chávez reforçam o culto à imagem do
ex-presidente.
Ele conta com orgulho ter recebido em sua casa o então
tenente-coronel que acabava de tentar derrubar pela força o governo do
presidente Carlos Andrés Perez, em 1989. "Como eu ia imaginar que aquele
índio, porque ele tinha cara de índio, ia ser o presidente?".
O culto a Hugo Chávez - que em vida já assumia características
religiosas - se aprofundou no último ano. Numa capela improvisada no
bairro 23 de Enero não faltam flores, água e o principalmente o café
expresso, um dos vícios do "comandante".
A peregrinação em torno do Quartel da Montanha iniciada no dia da
morte do líder venezuelano - que desafiou a Casa Branca e defendeu o
"socialismo do século 21" - persiste ainda hoje. "Muitos saem chorando,
outros cantando as músicas que ele gostava", conta Robles.
Alheio às demandas que estimulam os protestos contra o governo que
ocorrem no outro extremo da capital, Robles enxuga o rosto e imprime uma
característica de divindade à Chávez. "Esse homem foi mandado por Deus.
Estavam vendendo a Venezuela em pedaços para os Estados Unidos",
afirma.
A seu ver, a juventude antichavista que protesta nas ruas de Caracas e
de outras cidades do país são parte de um plano de desestabilização.
"Eles estão buscando uma intervenção dos Estados Unidos. Isso esta
preparado para isso e lembrem-se que temos sete bases militares dos
Estados Unidos na Colômbia", afirmou. "A disputa é a mesma de sempre; a
disputa pelo controle do petróleo".
BBC
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