Apresentadora paraibana Rachel Sheherazade é capa da Veja SP

Nas
duas semanas em que tirou folga para descansar em sua cidade natal,
João Pessoa, na Paraíba, Rachel Sheherazade, 40 anos, não conseguiu se
desligar do trabalho. Calcula que passou metade do tempo concedendo
entrevistas para negar rumores a respeito de sua demissão. Segundo os
boatos, o canal de Silvio Santos teria cedido à pressão para tirar do ar
a estrela do SBT Brasil, que vem provocando enormes discussões,
sobretudo na internet, com declarações a respeito de temas como aborto
(ela é radicalmente contra a legalização) e segurança pública (certa
vez, afirmou ser compreensível a atitude de vingadores que prenderam num
poste um bandido no Rio de Janeiro). Quase no fim das férias, a
apresentadora recebeu uma ligação da secretária do presidente da
emissora, Guilherme Stoliar. Ela a convocava para uma reunião na última
segunda-feira (14), a mesma data prevista para Sheherazade retornar à
bancada do programa que vai ao ar de segunda a sexta às 19h45. O
encontro, ocorrido a portas fechadas no 4º andar da sede da empresa, às
margens da Rodovia Anhanguera, durou aproximadamente uma hora e meia e
resultou na decretação de uma espécie de lei do silêncio para a
jornalista.
Além de Sheherazade e de Stoliar, estavam presentes na sala o
vice-presidente do canal, José Roberto Maciel, o diretor de jornalismo,
Marcelo Parada, e o diretor de produção, Leon Abravanel, que é também
irmão de Silvio. Esses executivos a proibiram de continuar emitindo no
ar as opiniões polêmicas que provocam amor e ódio nas redes sociais, com
o objetivo declarado de preservar a imagem da funcionária. Na mesma
ocasião, a apresentadora ouviu do presidente do canal a promessa de que
vai comandar um programa-solo no segundo semestre. A atração, semanal e
com uma linha editorial opinativa, seria uma ideia de Silvio Santos. Nos
últimos tempos, o homem do Baú vem elogiando o desempenho de Marcelo
Rezende, cujo programa Cidade Alerta, na Record, fica sempre acima da
média de 10 pontos de audiência no horário. Dentro do SBT, Sheherazade é
vista com potencial para se tornar um “Datena de saias”.
Em entrevista a VEJA SÃO PAULO poucas horas antes de apresentar o
telejornal, com um clima de tensão entre a equipe, a apresentadora mediu
cada palavra ao falar e procurou fazer um balanço positivo dos últimos
dias. “Às vezes, é preciso dar um passo para trás antes de dar um salto
para a frente”, afirmou. “Sofro com as pressões, mas sou boa de briga e
dura na queda. Além disso, a decisão de suprimir os comentários não é
definitiva. Meu estilo de jornalismo é de posicionamentos firmes. Jamais
poderia ficar em cima do muro. Essa sou eu e é por isso que fui
contratada.”
Um dos motivos do recuo do SBT envolve segurança, de Sheherazade e da
empresa. Nos últimos tempos, a jornalista recebeu ameaças em posts da
internet e torpedos de celular. Avisos do mesmo tipo começaram também a
chegar a membros da equipe do telejornal. A apresentadora foi orientada a
trocar de telefone, passou a ter um serviço de escolta do canal nos
deslocamentos do trabalho para casa e mandou blindar seu carro e o do
marido, o corretor de imóveis Rodrigo Porto. Em fevereiro, uma
manifestação contra Sheherazade chegou a ser marcada para ocorrer na
porta da emissora, que procurou autoridades como a Dersa para criar um
plano de emergência. A mobilização popular, porém, acabou não
acontecendo.
Outra questão que incomoda são as pressões políticas. Deputados do PSOL e
do PCdoB entraram no mesmo mês com representações no Ministério Público
contra a âncora e a emissora para que ambas respondam civil e
criminalmente por apologia ao crime. Isso ocorreu depois de Sheherazade
dizer no ar que era compreensível a atitude dos vingadores no Rio de
Janeiro. A gota d’água para limitar a liberdade da jornalista no SBT
ocorreu quando chegou aos executivos do canal o vídeo de um discurso que
ela fez durante as férias na Paraíba, ao receber a condecoração
simbólica de diploma de honra ao mérito na Câmara dos Vereadores de João
Pessoa. “A emissora em que trabalho tem garantido esse direito (de
falar) a duras penas, sendo chantageada por partidos políticos, podendo
perder uma concessão pública”, disse, na ocasião.

Além de avaliarem que a funcionária estava falando demais, os diretores
passaram a ter medo de perder patrocínios, principalmente do governo
federal, e, em um ano eleitoral, de que partidos políticos usassem nas
campanhas trechos do telejornal para criticar adversários. Em mais de
uma ocasião, Silvio Santos teria repetido aos seus diretores que o SBT
não está a serviço de nenhum partido. Funcionários da casa dizem que o
patrão reconhece a ajuda do PT para encontrar uma saída para o Banco
Panamericano. Em 2010, uma auditoria do Banco Central mostrou que a
instituição do empresário tinha um rombo de 4,3 bilhões de reais. O
banco acabou socorrido pelo Fundo Garantidor de Crédito e, depois, foi
vendido ao BTG Pactual por 450 milhões de reais.
Desde que foi contratada pelo SBT e se mudou de João Pessoa para São
Paulo, em 2011, Sheherazade gozava de plena autonomia. Nem sequer
precisava aprovar com a chefia o texto que iria ler no ar. Essa
liberdade fez com que seus comentários polêmicos chamassem mais atenção
do que o próprio programa, que registra uma média de 5 pontos de
audiência. “Antes dela, quem se lembrava do SBT Brasil?”, pergunta
Flávio Ricco, crítico de TV do portal UOL. Entre outras coisas, a
jornalista defendeu o direito do pastor e deputado federal Marco
Feliciano (PSC-SP) de permanecer na Comissão de Direitos Humanos da
Câmara (“gostem ou não, ele foi eleito democraticamente”) e criticou o
presidente do Uruguai, José Mujica, por ter descriminalizado a maconha
(“o país vai passar de repressor do tráfico a sócio de traficantes”).
Suas opiniões ganharam eco nas redes sociais. A cada posição tomada,
mais vídeos eram colocados no YouTube. A âncora do SBT gostou dessa
exposição. “Fui criando várias contas no Facebook devido ao grande
número de pedidos de amizade”, relata. Cada perfil comporta apenas 5 000
amigos, e Sheherazade, assim, está em sua sexta página. Há seis meses,
contratou uma pessoa para gerenciar suas contas e bloquear aqueles que
colocam comentários grosseiros. Segundo ela, no entanto, a maioria das
manifestações é de fãs de seu trabalho, que a param na rua para lhe dar
apoio. “Muitos falam para eu não me dobrar e pedem para tirar foto
comigo”, afirma.
O efeito colateral do sucesso que mais a preocupa é a exposição da
família. “De tanto ouvir coisas sem nexo, meu filho mais novo acabou
chorando na frente do professor na escola. Ele estava com medo de a mãe
ser presa”, diz Rodrigo Porto, que largou a profissão de corretor em
João Pessoa para acompanhar a mudança da mulher para São Paulo. Porto se
desfez de seu perfil no Instagram por receber ameaças e palavras
grosseiras. Além de escolta e do carro blindado, Sheherazade faz
caminhos diferentes toda vez que sai de casa. Sua vida, na verdade, é
bastante reclusa. Tem poucos amigos. Evangélica, mantém sagrado o
costume de frequentar a Igreja Batista aos domingos. “A título de
curiosidade, eu era católico quando conheci a Rachel”, afirma Porto. O
encontro se deu há doze anos em João Pessoa. Amigas dela fizeram as
vezes de cupido, pois acharam que Porto — que tem 1,83 metro de altura,
peito estufado pelo supino de academia e cabelo batido à galã de novela —
faria o gosto de Sheherazade. Em uma semana de namoro, ele a pediu em
casamento. Ela desconfiou de que se tratava de papo-furado, mas em seis
meses cedeu e marcou o enlace.

A apresentadora é uma das quatro filhas de um casal de funcionários
públicos, dona Hosana e seu Dirson. Depois de se divorciarem, nos anos
80 (quando Sheherazade era adolescente), o pai se casou novamente e teve
outros dois filhos. Hoje, mora em Maceió. Hosana permaneceu solteira.
“Passei quatro anos da minha vida nos Estados Unidos”, conta. “Trabalhei
como estoquista de supermercado e faxineira em mansões.” Nessa época,
Sheherazade ficou no Brasil, morando com a avó materna. Hosana sente
orgulho da situação atual da filha. “Ela está construindo uma casa aqui
em João Pessoa e, quando vem aqui, o povo não lhe dá sossego.”
Durante o curso de jornalismo na Faculdade Federal da Paraíba,
Sheherazade trabalhou como professora de inglês até ser aprovada no
concurso como técnica judiciária do Tribunal de Justiça, ocupando o
cargo de escrevente na Vara da Família, com salário de 3 600 reais, em
valores atualizados. Nesse período, fez um teste no escritório da Record
de João Pessoa e foi aprovada como repórter. Nove meses depois, migrou
para a afiliada da Rede Globo, onde ficou por dois anos, até ser
convidada para ocupar a bancada do telejornal local do SBT. Começou ali a
burilar seu estilo de comentários. Um vídeo seu com críticas ao
Carnaval acabou no YouTube e foi visto por Silvio Santos em 2011, que a
chamou para trabalhar na sede da emissora. Durante todos os anos em que
atuou como jornalista na Paraíba, Sheherazade tinha dupla jornada:
mantinha o emprego de meio período como escrevente e, depois, como
assessora de imprensa do Tribunal de Justiça. Deixou o funcionalismo
público após a mudança para São Paulo.

O contrato dela com a emissora do homem do Baú foi renovado no ano
passado, quando seu salário mensal mais que duplicou: passou de 40 000
para 90 000 reais, além de ela ter o aluguel de sua casa pago pela
empresa. Graças à popularidade de seu nome, o Partido Ecológico Nacional
(PEN) a convidou para sair como vice-presidente da República. Também
teria recebido proposta do Partido da República (PR) para disputar vaga
como deputada federal. “Estou empenhada no jornalismo, por isso
recusei”, diz. “Mas não descarto a possibilidade no futuro.” Na
imprensa, um de seus principais ídolos é o cineasta e comentarista
Arnaldo Jabor. “Ele tem posições contundentes e faz um trabalho com o
qual me identifico”, explica. Sheherazade também respeita o apresentador
José Luiz Datena, da Band. “Só não gosto muito do formato de seu
programa atual”, comenta. A “Datena de saias” sonha em comandar uma
atração jornalística que misture reportagens policiais com assuntos como
educação e saúde. Naturalmente, tudo isso embalado por seus
comentários. “Não vou me calar”, promete




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