‘Enquanto o eleitor evoluiu, o político brasileiro parou no tempo,’ afirma presidente do Ibope
Na eleição que considera a mais difícil da história do Ibope,
Carlos Augusto Montenegro, presidente do instituto, diz nunca ter visto o
povo brasileiro tão enojado com os políticos e a própria política.
Nos últimos 20 anos, houve uma evolução do eleitor brasileiro. Mais
informado, mais educado, crítico e atento, participativo – inclusive
nas redes sociais. Já o político “made in Brazil” parou no tempo. Repete
as mesmas práticas de 30 anos, busca o mesmo jeito de financiar
campanha e é adepto do “é dando que se recebe”, do caixa 2, do
nepotismo, de jatinhos e helicópteros. Não se deu conta de que o mundo
mudou, de que a era da internet e dos celulares alterou todo o cenário.
A opinião acima é de Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, para quem
a descrença do povo brasileiro na política cresceu barbaramente. “Se
não houvesse voto obrigatório, 60% da população não compareceria às
urnas”, previu o também ex-presidente do Botafogo, ao receber a coluna
em seu escritório do Rio. Para Montenegro, os políticos vão ter uma
resposta muito séria da população.
Qual a solução para essa defasagem? “A reforma política é vital para o futuro do País e para a democracia”.
A seguir, os principais trechos da longa e consistente conversa.
Como o senhor está vendo esta eleição?
Estou aqui há 42 anos e acho que esta é a eleição mais difícil da
história do Ibope. A impressão que me dá é de que realmente o Brasil
precisa fazer uma reforma política, mas fazer mesmo. Sinto que as
pessoas estão nauseadas, enfadadas, não sei nem o termo, estão enojadas.
A princípio, pela leitura das pesquisas hoje, quem é o grande ganhador
da eleição? Ninguém. Está cada vez maior a fatia de branco, nulo,
indeciso. O desânimo é com tudo, é com a política, é a confusão. A
página de mensalão foi uma página diferente, o pessoal achava que a
impunidade era total e, de repente, alguma coisa aconteceu. Na hora em
que você está acabando de virar a página, vem uma confusão maior ainda
com o caso da Petrobrás, que sempre foi uma empresa muito querida do
povo brasileiro. O volume de informação, de denúncias é tão grande que
dá a impressão de que isso aconteceu 40 dias atrás ou ontem. Não passa a
impressão de que isso foi em 2006 ou em 2008. Você vê Polícia Federal
invadindo a Petrobrás, gente sendo presa, é doleiro, é diretor, é o
ex-presidente da estatal dizendo que foi certo e a atual dizendo que foi
errado. Aécio tem seus problemas com o mensalão mineiro, Eduardo Campos
tem seus problemas também. O fato é que o pessoal não aguenta mais toda
essa confusão.
Como isso aparece nas pesquisas? Fora voto nulo e branco, há alguma outra maneira?
Na resposta à pergunta “se as pessoas têm interesse pela política
ou pelo noticiário político”, isso aparece cada vez mais. As opções
“pouco interesse” ou “nenhum interesse” representam mais da metade. Se o
voto fosse facultativo, quase 60% não votariam nesta eleição. As
manifestações do ano passado já foram um aviso disso. Eu diria que
qualquer um dos candidatos que vencer a eleição será uma zebra –
qualquer um, porque o desânimo, a tristeza com a política, a falta de
sonhos e de programas é imensa. O desencanto é tão grande que, acredito,
qualquer um que ganhar será uma surpresa para mim. Aí, você pode
perguntar: mas até a Dilma? Até ela, que era favorita absoluta há um ano
e pouco. Mas a agenda está ruim.
Então, qual a finalidade das pesquisas eleitorais?
As pesquisas, às vezes, até servem para falar o que eu estou te
falando: que o desencanto hoje é total. Atualmente, tem 70% mais ou
menos querendo mudança, mas eles não sabem bem que mudança seria essa,
nem com quem. Já houve época em que o Brasil quis continuidade: foi
assim em 1998, 2006 e 2010. Em 2002, os eleitores queriam mudança.
E os candidatos que estão concorrendo com a situação, o senhor diria que nenhum deles trouxe uma grande novidade?
Nenhum trouxe um programa, um sonho, uma ideia. Aí podem falar que
não são conhecidos, não têm tempo de televisão etc. Todos os candidatos
já foram governadores ou senadores de estados importantes, a imprensa
está abrindo espaço para falar de projeto. Não adianta um ficar atacando
o outro, o ruim fica pior. O ambiente já é horrível, falta esperança. E
jogar lama? Eu sou melhor que você, você é ruim e eu não sou tão ruim.
Está tudo muito negativo.
Pode aparecer uma surpresa até o final da eleição?
Não acredito. O brasileiro também já está vacinado contra surpresa
depois de 1989. O Collor foi uma decepção em relação a várias coisas, o
confisco, o impeachment. Não acredito que haverá um milagre, um coelho
saindo da cartola. Muita gente fala da volta do Lula, se é possível ou
não, uma especulação. O Lula, obviamente, é mais político, mais jeitoso,
mais ídolo, mas também todas essas confusões que estão aparecendo agora
aconteceram no governo dele. Acho que o partido atual no poder tem de
tomar cuidado, porque é óbvio que tem um projeto de governo de 12 anos e
tem gente querendo substituir esse projeto de governo de 12 anos, uma
briga tremenda.
Se o Lula voltasse, ganharia?
Não sei. Isso tem um timing. Eu acho que, por enquanto, você pode
dizer o seguinte: a Dilma foi antipática, a Dilma não teve sapiência
para tratar com os políticos ou paciência, o Lula é melhor. Pode ser.
Mas pode ser, também, que o negócio fique tão estragado com essa
confusão, que ninguém saiba onde isso tudo vai parar. O timing é o
seguinte: até dia 30 de junho, o partido pode resolver se o candidato
vai ser a Dilma ou o Lula.
Qual é o impacto da Copa nas eleições ou no voto?
Muito pequeno. O ambiente está tão ruim que, dependendo do
desempenho do Brasil na Copa, esse humor pode piorar. Se o Brasil
ganhar, esse mau humor pode melhorar um pouco. Mas não acho que a Copa
vai ser determinante.
E o efeito Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida nas urnas?
Esses programas são destinados a regiões mais carentes, são
importantíssimos, as pessoas são gratas. Foi bom você ter mencionado
isso, aproveito para falar uma coisa que considero muito importante: o
Brasil, nos últimos 20 anos, com Fernando Henrique, Lula e Dilma,
evoluiu muito, melhorou, deu um salto de qualidade tremendo. Isso fez
com que as pessoas ficassem mais instruídas, cobrando mais. Hoje em dia,
o brasileiro está muito bem dentro de casa e não está bem fora de casa.
O que quer dizer isso?
Dentro de casa, com a estabilidade econômica do Plano Real,
Fernando Henrique deu credibilidade ao Brasil, e com os programas
sociais que Lula e Dilma desenvolveram, o brasileiro conseguiu casa,
conseguiu arrumar a casa, onde não tinha telhado conseguiu colocar um
telhado, onde estava no tijolo conseguiu rebocar e pintar, botou
televisão boa, aparelhos eletrodomésticos, geladeira, freezer,
ar-condicionado, ventilador, trocou os móveis, onde tinha dois quartos e
dormiam três filhos juntos puxou mais um quarto e agora todos estão
dormindo melhor. Dentro de casa, o brasileiro melhorou muito, o que
acontece fora de casa é que é o grande problema do Brasil hoje –
mobilidade, falta de segurança, carências na área da saúde. São muitos
problemas. As pessoas chegam ao posto de saúde e são mal atendidas, são
assaltadas nas ruas, intimidadas, passam duas ou três horas numa
condução para chegar em casa ou no trabalho. Temos uma infraestrutura
falha e, por isso, os produtos não chegam ao destino. Os aeroportos
estão sendo muito mais utilizados, mas falta respeito com os
passageiros.
Diferentemente das agências de publicidade, o Ibope é
contratado por todos os partidos. Não acha que aí existe um conflito de
interesses?
Não. Existe uma escassez de institutos de pesquisa no Brasil
atuando de forma nacional. Um deles, o Datafolha, que é seriíssimo, não
trabalha para mais ninguém. Eles até fazem publicidade dizendo: “Olha,
nós somos superisentos, porque não trabalhamos para partido algum”. Já a
publicidade do Ibope, se fosse feita, seria justamente o inverso: “Nós
somos superisentos porque trabalhamos para todos os partidos existentes e
todos os políticos”. Acho que, se todos te contratam, isso é sinal de
que você é isento, não é mesmo?
Mas as perguntas não são mais ou menos as mesmas?
Algumas perguntas são, mas cada instituto tem sua própria
estratégia. Seja uma pesquisa sobre o consumo de um produto ou sobre uma
eleição; uma pesquisa política ou sobre uma instituição financeira. Ela
sempre vai ser o retrato de um momento. Então, há determinadas
perguntas que podem até ser repetidas, esteja você trabalhando para um
ou para outro. Há um critério e uma técnica na hora de elaborar um
questionário ou no momento de mostrar um determinado universo. No caso
da política, é fácil, o universo é composto por todos os eleitores do
Brasil, é o cadastro do TSE.
Como é que, com duas ou três mil entrevistas, vocês conseguem saber o que vai acontecer?
É o princípio de amostra. Para saber como está seu sangue, não é preciso tirá-lo todo. Basta uma pequena amostra.
Mas o sangue é todo igual…
É do “igual” que tiramos uma amostra. São tantos homens e tantas
mulheres, de acordo com o perfil da população. Por exemplo: se o
Nordeste representa 27% da população, tenho de ter 27% de nordestinos.
Se tiver 34%, já está errado. Se tirar 21%, está errado. Tenho de tirar
27%.
O sucesso está na precisão da amostragem?
Sim, bem como na metodologia, nas informações básicas, que são os
dados do IBGE ou do TSE. Se esses dados se mostram capengas, a sua
amostra sai capenga também. É fundamental que você saiba fazer a amostra
e tenha um questionário isento. Às vezes, ao colocar algumas perguntas
antes de procurar saber a intenção de voto, você induz o entrevistado.
Por exemplo: nessa crise toda da Petrobrás, se eu começar a perguntar
sobre isso e, depois, perguntar em quem a pessoa vai votar, eu estou
induzindo a determinada resposta.
Com essa metodologia, por que as pesquisas erram tanto?
Esse negócio do “erra tanto” – vou fazer uma brincadeira – é uma
parceria que nós temos com políticos e imprensa. Eu explico: o Ibope é
contratado pela mídia e por políticos, muitas vezes pegando todos os 27
estados do Brasil. Se você pensar em uma média de cinco ou sete
candidatos a governador por Estado, são quase 200 candidatos. No Senado,
a mesma média, são outros 200 candidatos. Só aí temos 400 políticos.
Com mais dez para presidente da República, são 410. Damos o resultado
para todos os 410 candidatos. Quando a gente diz que fulano de tal vai
ter 3% e o resultado se mostra correto nas urnas, ninguém bate palmas.
Posso afirmar, com tranquilidade, que o índice de acerto do Ibope é
muito grande. Dos 410 candidatos, se nós tivermos 5 erros… Agora,
imprensa não divulga notícia boa.
Mas, e a parceria?
Os políticos culpam a suposta influência das pesquisas no
eleitorado quando perdem. Nunca ninguém vai dizer: “Perdi porque errei
na estratégia, porque minha campanha foi ruim, porque não tive
dinheiro”. As pessoas não têm o hábito de fazer uma análise isenta. Já a
imprensa, por uma razão diferente da dos políticos, também culpa
alguém. E, normalmente, é o Ibope ou outros institutos de pesquisa.
O Ibope já fez alguma pesquisa sobre como as pesquisas influenciam o eleitor?
Sim, e o número de pessoas que disseram que decidem o voto com base
em pesquisas é pequeno. Acho até que, se existisse mesmo essa
influência, erraríamos todas. Quando você diz que um candidato vai ter
40%, outro 20%, o terceiro 5%, o último 1% e acerta, isso é sinal de que
cada eleitor manteve seu voto. Não mudou nada.
Qual a influência que uma pesquisa tem, então?
Tem influência brutal no dinheiro destinado às campanhas e no
espaço em mídia e nas coligações partidárias. Hoje, o Eduardo Campos, o
Aécio e a Dilma têm espaço na mídia. Aí vem o Pastor Everaldo, com 3%,
fulano de tal, com 1%, e mais o Levy Fidelix, com zero – esses nem são
citados.
Você recebe muita pressão nos períodos eleitorais?
No passado, havia pressão. A maior foi numa pesquisa com meu pai
ainda vivo, na época da ditadura. Os candidatos eram Negrão de Lima e
Flexa Ribeiro, em 1965. Os militares insinuaram não querer que uma
pesquisa fosse publicada dando a vitória a Negrão. Foi então que meu pai
disse: “Tudo bem, a pesquisa pode até não sair, mas vocês vão ter de
fechar o Ibope. Se não fecharem o Ibope, ela vai sair”. Eles tomaram um
susto, a pesquisa saiu e o Negrão ganhou. Essa foi a maior pressão que o
Ibope recebeu. Depois disso, houve época em que fomos alvo de algumas
insinuações, mas as pessoas viram que isso era ridículo, porque a
credibilidade do Ibope, com seus 72 anos de existência, não tem preço.
Se alguém quiser tentar algo, é muito fácil: basta perguntar se a gente
vende a empresa, e quanto custa. A gente vende. E eles fazem o que bem
quiserem.
Estadão
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