Denúncias de corrupção aumentam burocracia na Petrobras e emperram crescimento da petroleira
As sucessivas denúncias de esquemas de corrupção desde o estouro do
escândalo da compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), e a
ingerência política na Petrobras estão afetando em cheio o dia a dia da
companhia. Os escândalos aumentaram a morosidade dos processos, a
burocracia, mas também levaram a um controle de saídas de recursos mais
rígido. Dentro da companhia, o clima é de medo e desconfiança.
Nesse ambiente, aliado à restrição de caixa, a estatal pôs o pé no
freio nas negociações com fornecedores, que alegam haver atrasos em
pagamentos. Empresários afirmam que a estatal busca postergar
compromissos. Isso seria feito por meio do Boletim de Medição, documento
que registra o cumprimento dos serviços contratados de fornecedores.
Qualquer irregularidade adia a parcela devida.
Além disso, os fornecedores relatam que há extrema rigidez na
avaliação de pedidos de aditivos, cuja aprovação se tornou quase
impossível. As compras foram reduzidas ao essencial. A situação afeta
toda a cadeia de óleo e gás, esfriando investimentos no setor e deixando
empresas com problemas de caixa e até insolventes, em alguns casos. As
licitações estariam praticamente paradas.
— O cuidado agora é dobrado. Nas áreas de planejamento e de
investimentos, o ambiente está horrível, o que dificulta qualquer tomada
de decisão. Já a área operacional continua funcionando normalmente,
pois não pode parar. Hoje, a Petrobras é como um elefante andando com
três patas — disse uma fonte ligada à empresa.
As mudanças não se restringem apenas ao volume de compras.
Funcionários com mais de três décadas de trabalho descrevem o que chamam
de “gestão do medo”. As denúncias de irregularidades na companhia se
agravaram com as declarações do ex-diretor Paulo Roberto Costa sobre um
esquema de corrupção ligado a políticos e isso afetou o moral dos
empregados. As licitações estariam praticamente paradas e ninguém mais
toma decisões sem permissão formal, assinada por quem dá o aval à
solicitação.
— Todos se olham com desconfiança e se perguntam: “será que fez parte do esquema?” — relata um profissional.
Outro funcionário de carreira diz que o clima ruim teria levado
antigos funcionários a aderirem ao Plano de Demissão Voluntária da
Petrobras. Até o sistema interno de mensagens estaria sendo monitorado
pelo departamento jurídico, segundo fontes da estatal.
‘A ÁREA DE REFINO ESTÁ PARADA’
No mercado, há uma percepção clara entre os fornecedores de que a
Petrobras trabalha focada na contenção de recursos. Isso estaria sendo
feito com base numa mudança na gestão dos contratos com empresas
fornecedoras de produtos e serviços, que passou a ser restritiva em
análise e aprovação de demandas, sobretudo naquelas que propõem revisão
de preços e novos aportes.
— A Graça Foster assumiu a gestão da Petrobras com a bandeira de
rever a maneira como os projetos eram executados. E passou a fazer isso
com rigor — explica o advogado Ivan Tauil, especializado no setor de
óleo e gás. — A questão é que a estatal tem uma restrição de caixa
relevante. E a política de controle de preço dos combustíveis como
estratégia para segurar a inflação no país continua sangrando os
recursos da companhia.
ESTATAL NEGA PROBLEMAS
A Petrobras afirma que a repactuação de contratos nunca foi
realizada por conta de dificuldade de caixa da companhia. E afirma ter
“situação confortável de liquidez”, totalizando R$ 66 bilhões em caixa
em 30 de junho último. Garante também não haver atraso em pagamentos à
rede de fornecedores, além de não ter realizado mudanças significativas
em suas políticas de contratação e gestão.
Os pleitos de pagamentos adicionais aos contratos, explica a
estatal, são submetidos a avaliações técnica e jurídica. Depois,
precisam ser aprovados pelas instâncias competentes.
Desde 2012, entrou em vigor o Programa de Otimização de Custos
Operacionais (Procop). Só no ano passado, ele garantiu economia de R$
6,6 bilhões. No primeiro semestre deste ano, permitiu cortar R$ 4,9
bilhões em custos, totalizando R$ 11,5 bilhões, acima da meta estimada
para o período, de R$ 7,5 bilhões.
O Procop, frisa a estatal, não engloba custos e contratos de
projetos de investimento (obras), ficando restrito a ativos já em
operação. Entretanto, das atuais 604 iniciativas de otimização de custos
do Procop, 90 estão relacionadas, em algum nível, com contratos para o
fornecimento de materiais e prestação de serviços operacionais.
O controle do preço da gasolina é visto como fator-chave para os problemas da estatal.
— A situação é preocupante. A Petrobras tem que funcionar como uma
empresa, independentemente da ingerência política do governo. Mas
acredito se tratar de crise conjuntural — contemporizou Júlio Bueno,
secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio.
O secretário alerta, contudo, para o peso da Petrobras na economia
fluminense, que tem quase um terço do Produto Interno Bruto (conjunto de
bens e serviços produzidos) vindo do segmento de óleo e gás.
EFEITO BORBOLETA NO SETOR
A Onip, que representa a indústria de petróleo no país, considera
um risco a excessiva dependência do mercado em relação à Petrobras. Isso
torna a cadeia brasileira de óleo e gás muito vulnerável às estratégias
de investimento da estatal. Segundo Bruno Musso, superintendente da
Onip, uma saída seria ampliar as vendas de fornecedores no exterior e
fechar parcerias com estrangeiras para o desenvolvimento de produção
local de itens importados.
A indústria de máquinas e equipamentos está entre os afetados com a
mudança em datas de pagamentos, diz Alberto Machado, diretor de
petróleo e gás da Abimaq, que reúne as empresas do setor, mesmo quando
não há contratos fechados diretamente com a estatal:
— Se um pagamento ou pleito dessa contratada não é aprovado, o
fabricante de equipamentos não recebe. Calculo em centenas de milhões de
reais os atrasos em pagamentos.
Para ele, esse esquema de fornecimento em cadeia explica por que um
espirro da Petrobras pode virar pneumonia ou óbito em companhias do
setor. Haveria ainda uma perda de aproveitamento frente as oportunidades
em óleo e gás.
— Desde 2003, a Petrobras multiplicou seus investimentos por seis.
Na indústria de máquinas e equipamentos, a expansão no período foi de
1,4%. Hoje, a área de refino está parada. O alento em demanda vem da
área de operação — diz Machado.
PROBLEMAS AFETAM GRANDES E PEQUENAS
Para o diretor da Abimaq, num raciocínio simplista, a crise de
recursos e política da Petrobras amplia as intervenções na companhia:
— A cada novo questionamento, a estatal coloca um batalhão de
pessoas levantando dados. Isso traz lentidão aos processos,
burocratização, mas também formalização. Puxa uma tendência de maior
fiscalização e rigidez nos processos.
A operação pente fino nas avaliações de contratos afeta até as maiores empresas, diz Tauil:
— Hoje, a Petrobras escolhe a quem vai pagar. Com a rigidez, pune
justos e pecadores. Isso afeta desde multinacionais, como Halliburton e
Schlumberger, até pequenas empresas.
As miúdas parecem sofrer mais. A baiana WBS, de engenharia de
projetos e gestão de empreendimentos, por exemplo, pediu recuperação
judicial em 2012. Antes disso, contava com 15 contratos com a Petrobras,
totalizando cerca de R$ 90 milhões em valor ou o equivalente a 70% do
faturamento da empresa. Hoje, são três. Aos poucos, está conseguindo se
reerguer.
— Ao contratar pelo menor preço, a Petrobras reduziu a margem dos
fornecedores a quase zero. Se o contratado não tem caixa forte, não
segura o início da operação sem aporte financeiro. Depois, a estatal não
quer contratar quem está em situação difícil ou em recuperação — conta o
sócio Rubens Bustani.
A Petrobras garantiu que continua trabalhando normalmente em todas
as suas unidades. Segundo a estatal atos irregulares que tenham sido
cometidos por pessoas, empregados ou não da empresa, "não representam a
conduta da instituição Petrobras e de sua força de trabalho constituída
por milhares de empregados." A estatal diz que no primeiro semestre
tinha 11.255 fornecedores, contra 17.530 em 2013. No ano passado, as
compras somaram R$ 109 bilhões, redução de 11% em relação aos R$ 122,3
bilhões em 2013. No primeiro semestre de 2014 as compras totalizaram R$
63,89 bilhões.
O Globo
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