O que muda com as manifestações deste domingo? Veja cinco análises
Centenas de milhares de pessoas
foram às ruas protestar no domingo, com faixas pedindo combate à
corrupção e muitos pregando a saída da presidente Dilma Rousseff do
poder.
Em São Paulo, palco da maior manifestação, a PM calculou ter havido
1 milhão de pessoas na Av. Paulista; o Datafolha estimou os
participantes em 210 mil.
Estimadas 40 mil pessoas protestaram em Brasília, e 15 mil no Rio
Janeiro. Houve protestos também em diversas outras capitais, como
Recife, Salvador, Fortaleza, Belém, Vitória, Curitiba e Porto Alegre.
À noite, os ministros José Eduardo Cardozo (Justiça) e Miguel
Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência) disseram, em entrevista
coletiva em Brasília, que o governo tem disposição em "ouvir as vozes
das ruas e está sempre aberto ao diálogo".
"Não há democracia sem tolerância; faz parte do ser democrático o
respeito a quem pensa diferente e a busca de convergências", disse
Cardozo, afirmando que o governo anunciará um pacote de medidas
anticorrupção nos próximos dias e voltando a pedir um debate em torno de
uma reforma política.
No calor das manifestações, a BBC Brasil pediu a cinco analistas de
diferentes espectros políticos, universidades e consultorias uma
avaliação inicial dos protestos deste domingo e do clima político do
país:
Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco
O cientista político Antonio Lavareda acredita que a presidente
Dilma Rousseff tem pouco espaço de manobra para reagir aos protestos de
hoje e terá que dar mais espaço para o PMDB no governo para garantir a
governabilidade e evitar a paralisia da sua gestão.
"Os protestos supreenderam e devem significar uma queda ainda maior
da popularidade da presidente. Quando o governo está fraco, o preço da
composição política aumenta", analisa.
Para Lavareda, a principal motivação do descontentamento da
população - e das consequentes manifestações - não está nos cartazes: é a
economia. Na sua opinião, porém, o ajuste fiscal, mesmo que impopular,
precisa ser feito e deixa a presidente com pouca flexibilidade de
atuação nesta área.
Pablo Ortellado, professor do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP
Para Ortellado, os protestos deste domingo surpreenderam pelo
tamanho e devem se repetir, colocando o governo em uma situação muito
delicada. Ele vê a administração Dilma Rousseff ainda mais enfraquecida
porque já não consegue contar com o mesmo apoio da base que a elegeu
para contrapor o movimento "antipetista". Esse apoio menor entre os
eleitores decorre da adoção de políticas contrárias às defendidas
durante a campanha, como as medidas de ajuste fiscal, observa ele.
"Dilma hoje está pior do que Maduro (presidente venezuelano), pois
não tem o mesmo apoio que ele nos movimentos sociais e na esquerda em
geral".
Ortellado, que esteve na Avenida Paulista, em São Paulo para
observar os protestos, diz que não identificou consenso em relação à
proposta de impeachment da presidente. Sua percepção é de que o
movimento não tinha coesão ou uma pauta concreta e exequível.
"É um protesto da velha classe média - não a nova classe C -
motivado por algo muito mais amplo do que o sentimento anticorrupção. A
pauta é difusa. O que une os manifestantes, claramente, é o
antipetismo", afirma.
A expectativa é de que o governo apresente um pacote anticorrupção
como resposta aos protestos, mas Ortellado acredita que isso não será
suficiente para aplacar a insatisfação. "Dilma adotou as medidas
econômicas opostas ao que ela defende, e isso não trouxe apoio desse
grupo", notou.
Renato Perissinotto, sociólogo e professor da Universidade Federal do Paraná
Diante das grandes dimensões dos protestos desse domingo,
Perissinotto acredita que o governo precisa dar uma resposta rápida às
manifestações.
Na sua opinião, o mais provável é que o governo apresente propostas
no sentido de dar celeridade aos processos de investigação e punição
dos casos de corrupção.
"Não compartilho de uma visão negativa nesse campo. Acredito que o
país avançou na transparência dos órgãos públicos e nas instituições de
investigação, como o Ministério Público e a Polícia Federal. Mas as
pessoas querem ver os corruptos sendo de fato punidos".
Apesar do tamanho dos protestos, ele não vê riscos reais de
impeachment da presidente por três motivos: 1) não é uma demanda
consensual entre os manifestantes; 2) o governo já se mobiliza para
melhorar as relações com o Congresso, por exemplo com a mudança na
coordenação política, que deve sair das mãos do ministro da Casa Civil,
Aloizio Mercadante; 3) o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha, tem se manifestado contrariamente.
Rafael Cortez, analista político da consultoria Tendências (SP)
"Os desdobramentos (dos protestos) são incertos, mas os protestos
são importantes e sintomáticos dos desafios da presidente Dilma
Rousseff: implementar medidas eficientes (num cenário de) baixa
popularidade, após um acúmulo de erros no primeiro mandato e em meio às
investigações sobre a corrupção na Petrobras", diz Cortez.
Para ele, o segundo mandato "corre o risco de ser de um governo
fraco, que não consegue impor sua agenda. E o ano deve ser marcado por
uma agenda negativa, com as investigações na Petrobras e ajustes
(fiscais) que não devem gerar receita no curto prazo".
O mais urgente para o governo, opina Cortez, é melhorar a
interlocução com o Congresso – cuja base aliada está rachada – "para não
ficar refém do cenário de instabilidade".
Carlos Pereira, cientista político da Fundação Getúlio Vargas no Rio
Pereira diz que o impeachment pedido por grande parte dos
manifestantes deste domingo é algo distante da realidade no momento e
que parte do grupo "sem dúvida não aceitou os resultados" eleitorais,
mas vê o protestos, sobretudo, "como um sinal de que as pessoas estão
cansadas, fartas, e em uma magnitude proporcional aos escândalos de
corrupção".
Já estão em curso, segundo ele, alguns fatores que formam uma
"tempestade perfeita" contra o governo Dilma: medidas fiscais pouco
populares, escândalos de corrupção e protestos em massa.
O governo ainda mantém a maioria no Congresso, mas a atual conjuntura também ameaça isso.
"Passados os protestos, será custoso para os aliados apoiarem o governo; será difícil reconstruir essa confiança."
Pereira opina que, até agora, os movimentos de oposição foram
"subestimados". "Muitos esperavam um número menor (de manifestantes)
neste domingo, e o governo será forçado a anunciar medidas concretas, de
forma cuidadosa, para que as pessoas não acabem mais irritadas" -
lembrando quando o ex-presidente Fernando Collor foi à TV pedir que as
pessoas usassem verde e amarelo e elas acabaram saindo às ruas, em
massa, vestindo preto.
O positivo, diz ele, é que "os protestos ocorreram de forma
democrática, sem incidentes - as instituições foram capazes de lidar com
tanta polarização de forma democrática".
BBC Brasil
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