Comissão da Verdade ouve depoimentos perseguidos em Sapé
Na
década de 1960, o movimento organizado por camponeses, que reivindicava
reforma agrária, foi alvo da repressão da ditadura militar
A
Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba
realizou, nessa segunda-feira (15), mais uma audiência pública, desta
vez no município de Sapé para coletar depoimentos de trabalhadores
rurais, familiares e lideranças que integraram as Ligas Camponesas. Na
década de 1960, o movimento organizado por camponeses, que reivindicava
reforma agrária, foi alvo da repressão da ditadura militar.
A
audiência promovida no ginásio da Escola Estadual de Ensino Médio e
Fundamental Monsenhor Odilon Alves Pedrosa (EMOAP), no Centro da cidade,
foi assistida durante todo o dia por estudantes, familiares e
pesquisadores. Na ocasião, todos puderam ouvir depoimentos como o da
presidente da Liga Camponesa de Sapé e viúva do líder assassinado João
Pedro Teixeira. “Depois de tanto tempo me sinto muito feliz por, de
certa forma, fazer justiça a tudo o que aconteceu naquela época. O que
os grandes proprietários de terras e donos de engenho fizeram com meu
marido não pode ficar impune”, destacou a viúva.
Outro depoimento
marcante foi o do presidente da Liga Camponesa de Santa Rita, Antônio
Dantas. Ele lembrou o exílio de 60 dias em Cuba, sendo capturado
novamente ao voltar para o Brasil. “Fui perseguido e esse tempo que
passei fora foi o suficiente para que a polícia da época invadisse o
cartório de Santa Rita, onde fundei a Liga, para levar e sumir com toda a
documentação. Mesmo assim, avisei aos meus companheiros que se caso eu
não voltasse deveriam continuar o trabalho. Me sinto feliz e orgulhoso
do meu passado. Se eu fosse jovem hoje iria continuar fazendo revolução
como os jovens de hoje passaram a fazer nas ruas”, comentou Dantas.
A
advogada que defendeu os integrantes das Ligas Camponesas, Ophelia
Amorim, também prestou depoimento sobre sua atuação como testemunha.
“Mostrei como era o trabalho dos advogados da época na questão das
terras durante a fundação das Ligas Camponesas. Iniciamos uma luta
contra a monocultura da cana e a Consolidação das Leis do Trabalho, a
CLT, para os camponeses que mantinham uma relação de emprego com os
donos de terras e engenhos. Por isso, acabei sendo presa, respondi a
três processos e deixei Campina Grande para morar em São Paulo, onde
vivo até hoje. Geralmente as histórias são escritas pelos vencedores,
mas espero que os vencidos, que somos nós, possam ajudar a escrever e
resgatar a verdadeira história dos fatos”, observou.
Além desses
depoimentos, prestaram esclarecimentos o presidente Federação das Ligas
Camponesas da Paraíba, Francisco de Assis Lemos e Neide Araújo, filha do
desaparecido Pedro Inácio de Araújo, em 1964. Na época, as Ligas
Camponesas tinham a finalidade de auxiliar os trabalhadores rurais com
despesas funerárias para evitar que fossem despejados em covas de
indigentes; prestar assistência médica, jurídica e educacional aos
camponeses, formar uma cooperativa de crédito capaz de livrar, aos
poucos, o camponês do domínio latifundiário e, principalmente, promover a
reforma agrária no Brasil.
A coordenadora da Subcomissão Especial
de Acompanhamento da Comissão da Verdade na Câmara dos Deputados, a
deputada federal por São Paulo, Luíza Erundina, participou da audiência e
enfatizou que apesar dos trabalhos serem uma catalogação do passado, os
crimes não podem ficar impunes.
“Foram depoimentos de repressão
política, assassinatos e torturas que devemos fazer o link com o momento
atual, pois existem ainda grandes latifundiários acumulando riqueza e
explorando os trabalhadores rurais. Por isso, ainda é preciso implantar a
reforma agrária para que a luta desses companheiros seja concluída.
Além disso, após a apuração dos fatos, a revelação da verdade e a
identificação dos responsáveis é preciso que se faça justiça para que
não fiquem impunes os crimes e as pessoas como se nada devessem ao país e
aos direitos humanos”, defendeu a deputada.
O presidente da
Comissão, professor Paulo Giovani Nunes, avaliou a realização de mais
uma audiência como sendo positiva para os trabalhos desenvolvidos na
Paraíba. “Todos os depoimentos prestados hoje, bem como a documentação
que já coletamos, serão utilizados para compor nosso relatório final.
Por isso, toda informação é bem vinda, até mesmo os livros e publicações
da época das Ligas Camponesas. Os trabalhos estão avançando e contamos
com a colaboração de vários grupos de trabalho compostos por estudantes,
pesquisadores e outros que de maneira voluntária têm auxiliado nossas
atividades”, destacou.
Para a coordenadora do grupo de trabalho
Graves Violações de Direitos Humanos no Campo ou Contra indígenas e
membro da Comissão Nacional da Verdade, Maria Rita Kehl, a audiência
contribuiu para os trabalhos desenvolvidos nacionalmente. “Foi uma
audiência importante e de muito valor simbólico. Já tínhamos muita
informação sobre as vítimas, mas o que eu possuía particularmente da
Paraíba estava no livro dos mortos e desaparecidos. Agora espero receber
todo esse material como vamos fazer com outros estados brasileiros
durante nossas visitas”, disse.
Memorial das Ligas Camponesas
Após
a audiência pública em Sapé, a comitiva seguiu para o povoado de Barra
de Antas (zona rural da cidade), para visitação da casa onde morou João
Pedro Teixeira, líder das Ligas na Paraíba, local onde funciona o
Memorial das Ligas Camponesas, restaurado pelo governador Ricardo
Coutinho, em abril de 2012.
Aberto no Cinquentenário do
assassinato do camponês, o espaço abriga um acervo de publicações dos
jornais da época que retratam as tragédias que marcaram a família, bem
como, o Hino dos Camponeses, projetos de mestrados, livros publicados
sobre o assunto e fotografias de líderes camponeses como Nego Fuba,
Bela, Margarida Maria Alves, Sandoval Avelino, Antônio Chaves e Pedro
Inácio de Araújo.
Próximas audiências
Mais
uma audiência pública foi marcada para o próximo dia 6 de agosto no
auditório da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), onde serão
ouvidas vítimas de torturas na cidade. Além dessa, outras audiências
públicas estão programas sendo uma sobre estudantes paraibanos que foram
presos no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), no
município de Ibiúna, em Minas Gerais, em outubro de 1968, e outra com
parlamentares cassados e magistrados afastados durante o regime militar.
A
Comissão Estadual - O grupo é constituído por sete participantes: Paulo
Giovani Nunes (presidente); João Manoel de Carvalho; Irene Marinheiro;
Lúcia Guerra de Fátima Ferreira; Iranice Gonçalves Muniz; Fábio Fernando
Barbosa de Freitas e Waldir Porfírio. Nomeados pelo governador Ricardo
Coutinho, os integrantes têm mandato de dois anos.
Site
Mais informações sobre os trabalhos da Comissão da Verdade podem ser obtidas através do site www.cev.pb.gov.br.
No endereço, o internauta pode encontrar vídeos, áudios, fotografias,
documentos digitalizados e links de documentos na área de direitos
humanos e para contatos de pessoas que queiram colaborar com o trabalho
da Comissão.






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