O desembargador Raimundo
Nonato da Costa Alencar, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJ-PI),
sustou nesta quinta-feira, 26, os efeitos da decisão do Juiz Luiz Moura
Correia, que suspendia o uso do aplicativo WhatsApp em todo o Brasil. O
magistrado alegou que a decisão era sem razoabilidade, porque a
suspensão do serviço afeta milhares de pessoas, em prol de uma
investigação local.
Com Estadão
A decisão do desembargador Raimundo Nonato da Costa Alencar estava
disponível no sistema de acompanhamento eletrônico de processo do
Tribunal de Justiça do Piauí, mas não tinha detalhe sobre o processo,
que tramita em segredo de Justiça.
“A fim de suspender a eficácia da ordem emitida, contra as
impetrantes, no processo n. 0013872-87.2014.8.18.0140 (a que fazem
referência os Ofícios n. 0207/NI/2015, 0209/NI/2015 e n. 0215/NI/2015,
todos do Núcleo de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Estado
do Piauí), em nada afetando, ressalto, a ordem judicial de folhas 43/46
do referido feito. Decisão sem razoabilidade. Suspensão de serviço que
afeta milhões de pessoas, em prol de investigação local”, diz o sumário
da decisão em Mandado de Segurança publicada no site do TJPI.
O juiz da Central de Inquéritos de Teresina, Luiz Moura Correia,
havia determinado que o acesso ao aplicativo WhatsApp fosse suspenso por
descumprimento de ordem judicial para interceptação telefônica para
elucidação de crimes.
“A ordem judicial foi expedida em virtude de anterior descumprimento,
por parte do provedor de aplicação deInternet WhatsApp, de outras
determinações de caráter”, diz a nota divulgada pela Polícia Civil do
Piauí.
Na decisão, o juiz deu 24 horas para que a empresa suspenda não só os
acessos a serviços dos domínios whatsapp.net e whatsapp.com, mas como o
uso do aplicativo. A sede da empresa, nos Estados Unidos, foi
notificada para dar cumprimento à determinação judicial.
O magistrado informou que a decisão é resultado de inquéritos que
tramitam em segredo de justiça desde o ano de 2013. Ele disse que a
quebra do sigilo do contato por WhatsApp serviria para a elucidação dos
crimes.
“O WhatsApp não quis se adequar ao caso da interceptação e foi
notificado quanto a isso. Determinamos a suspensão do serviço para
cumprir as diligências. Trata-se de uma questão de soberania nacional.
Para operar aqui, a empresa tem que se adequar as leis daqui”, explicou
Luiz Moura.
Segundo o juiz, depois do Marco Civil da Internet, a empresa que
funciona nos Estados Unidos, tem que dar cumprimento às decisões locais.
“É para o Brasil discutir a questão. São vários casos em questão. Como
se trata de segredo de Justiça, não posso falar sobre o assunto. Quem
pode falar são as autoridades policiais”, acrescentou.
Os servidores do Tribunal de Justiça do Piauí estão em greve
solicitando reajuste salarial de 10% e a reestruturação do quadro de
servidores, mas o juiz Luiz Moura foi procurado ontem (25) por advogados
de empresas para dar cumprimento a ordem judicial e outros tentando
evitar a execução da decisão. A polícia informou apenas que são vários
processos que correm em segredo de justiça. Os casos são investigados
pelo Núcleo de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Piauí.
Parte da decisão judicial diz: “Suspenda temporariamente até o
cumprimento da ordem judicial, em todo território nacional, em caráter
de urgência no prazo de 24 horas após o recebimento, o acesso através
dos serviços da empresa aos domínios whatsapp.net e whatsapp.com, bem
como todos os seus subdomínios e todos os outros domínios que contenham
whatsapp.net ewhatsapp.com em seus nomes e ainda todos números de IP
(Internet Protocol) vinculados aos domínios já acima citados”.
“Eu acho muito difícil que essa decisão chegue a ser cumprida”,
opinou a advogada Gisele Arantes. “Bloqueando o WhatsApp você está
afetando o direito de outras milhares de pessoas. É muito
desproporcional.”
Procurados pela reportagem, as operadoras afirmaram que se
pronunciarão oficialmente através do SindiTelebrasil, que, em nota disse
ter recebido “com surpresa” a decisão, e que a medida poderia “causar
um enorme prejuízo a milhões de brasileiros que usam os serviços,
essenciais em muitos casos para o dia a dia das pessoas, inclusive no
trabalho”.
Para o SindiTelebrasil, “a medida é desproporcional” e lamentou o
fato de assumir as operadoras como alvo a fim de atingir a empresa
responsável pelo WhatsApp, as “não têm nenhuma relação com o serviço”,
segundo o comunicado.
Sem representação
O WhatsApp, assim como Snapchat, Tinder e Secret, não possuem
representação no Brasil, o que dificulta o acesso por meio jurídico dos
seus usuários ou reclamantes. No caso específico do WhatsApp, uma saída
dos tribunais tem sido a de destinar a ação ao
Facebook
, que concluiu a aquisição da empresa criadora do aplicativo (por US$ 22 bilhões) em meados do ano passado.
Em agosto do ano passado, uma liminar determinou a suspensão do
aplicativo Secret no Brasilacatando pedido de promotor que acreditava
que o app feria a proibição ao anonimato, presente na Constituição. A
Justiça posteriormente voltou atrás e liberou o aplicativo, após
entender que era possível obter os dados dos usuários através da empresa
responsável.
Para o jurista e diretor do instituto de pesquisas InternetLab,
Dennys Antonialli, o caso do Secret é simbólico. “Ele ilustra o poder
máximo do Artigo 11 (do Marco Civil da Internet), que é banir o serviço
do Brasil. Aplicar uma multa ou constranger a empresa não adiantaria
nada, porque ela não tem escritório aqui”, diz o pesquisador.
Antonialli defende que o juiz poderia ter buscado formas menos
drásticas para atingir a empresa após não ter tido resposta. “O WhatsApp
tem uma base de usuários gigantesca no Brasil e é uma das formas de
comunicação mais utilizadas. Por conta de um inquérito, o serviço
poderia cair no Brasil inteiro”, disse. “Há meios mais sutis para
constranger a empresa, impondo multa alta diária, por exemplo.”
O artigo em questão diz que empresas que coletem, armazenem ou
guardem e tratem registros de dados pessoais “em que pelo menos um
desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente
respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à
proteção dos dados pessoais e ao sigilo”. A regra vale “mesmo que as
atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior,
desde que oferte serviço ao público brasileiro”.
Na opinião da advogada Gisele Arantes, especialista em direito
digital que atuou no caso do aplicativo Secret, o Marco Civil “falhou”
ao não prever “uma forma de se alcançar esse provedor de aplicações lá
fora quando se precisar de alguma informação”. E resume a atual
situação. “Se você é ofendido pelo WhatsApp, você vai ter que
identificar as pessoas e responsabilizá-las; para conseguir essas
informações, você precisa mandar uma ordem para o WhatsApp, mas ele está
lá fora e para isso seria necessário uma carta rogatória, o que
demoraria anos.” A jurista espera que o caso “chame a atenção das
autoridades para esse buraco”.
O caso se assemelha a um de 2007. Na ocasião, um juiz chegou a
suspender por um dia o YouTube no Brasil após tentativas fracassadas de
impedir que um vídeo da apresentadora e modelo Daniella Cicarelli, que
foi gravada durante ato sexual com o namorado em uma praia na Espanha. A
decisão foi então derrubada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.